Hoje venho aqui partilhar convosco a minha singela opinião sobre uma espécie de hamor muito em voga, que parece ter pegado de estaca no dia-a-dia dos apaixonados.

Minhas amigas, estou precisamente a falar do hamor mata-borrão.

Ora, esta espécie de hamor mais não é que a usurpação total e sem pingo de vergonha, do afecto e da dedicação alheia.

A função primária e quiçá única deste mata-borrão é principalmente absorver o excesso de hamor que a outra pessoa generosamente dá.

Ah, pois é. O mata-borrão anda sempre disfarçado de distraído mas pelo rabinho do olho vai espreitando onde é que pode deitar a mão, de que forma pode levar vantagem, que pedacinho pode abixar mais, enfim, é o verdadeiro esmifra do hamor.

O mata-borrão aproveita-se da roupa lavada, da loiça na máquina, das compras feitas, da comida na mesa, da sopa do dia, da casa em ordem, dos mimos, da disponibilidade da outra, dos sorrisos e abraços sempre abertos, do ombro amigo, das festas na cabeça, na ajuda nos projectos e no incentivo dos sonhos, no bem-estar, no sucesso. Do seu próprio, evidentemente.

Não se pense porém que apesar de todo o egoísmo e falta de vergonha na cara, o mata-borrão afia as garras em tudo à sua volta e vai embora de forma ténue. Não, nada disso. Como qualquer mata-borrão que se preze, suga tudo mas deixa marca.

Deixa manchas escuras, indeléveis, sombras que se abatem sobre a outra parte com sabor a ingratidão, incompreensão, desamor e sobretudo uma enorme frustração.

No princípio, aquela que deu sem mãos a medir, ainda esboça uma quase reclamação, uma quase queixa, depois passa para a fase de recriminação velada e sem palavras e nos casos mais graves descamba na resignação.

E se pensam que o hamor mata-borrão dá conta do vazio nos olhos da outra, do desencanto no seu coração, do afrouxar da alegria no regresso a casa, desenganem-se. Quando finalmente notar que a roupa não está na gaveta, que a pasta dos dentes acabou e que o frigorífico está vazio, o primeiro pensamento será, não para aquela que sempre manteve o barquinho no rumo certo, mas sim na próxima que vai segurar no leme.

O mata-borrão tem mais que fazer e com que se preocupar do que com as tarefas comezinhas do quotidiano.